segunda-feira, fevereiro 15, 2010

quem tem um telemóvel tem tudo...





Quem tem um telemóvel tem tudo

quem não tem um telemóvel não tem nada…


Aqui há uns anos atrás reconhecia-se uma mulher menos séria pelo descaramento com que se passeava por entre nós com uma mais que falsificada “Louis Vuitton” na mão ou a tiracolo, sabendo-se que essa mulher não teria nunca dinheiro para um luxo daqueles. Hoje, vergado que está o mundo à escravidão das novas tecnologias, reconhecem-se as putas pelo número de telemóveis que exibem despudoradamente. Puta que se preze não tem menos de três ou quatro exemplares e, de preferência, dotados de todas aquelas ‘perfomances’ especiais e extraordinárias que ninguém nunca utiliza.

Um, explicam elas, é o da empresa onde trabalho (as que trabalham!), os restantes, naturalmente sem saldo e sempre a aguardar pela generosidade de um qualquer ‘mecenas’, são oferecidos por A, por B ou por C ou por todos ao mesmo tempo que a vida não ‘tá para esquisitices da treta.

Antigamente pagavam-se as 'berlaitadas' com um depósito de gasolina; hoje pagam-se em carregamentos de telemóveis e, em casos mais excepcionais, acompanhados de um conjunto barato e reles de lingerie pretensamente ‘sexy’ comprada nos saldos da H&M.

Também há gajos que andam igualmente com vários telemóveis nos bolsos, o que só nos diz que também são putas, mas esses são putas no masculino, obviamente, e mesmo assim ninguém garante que não peguem de empurrão quando ninguém está a ver.

Há uns anitos atrás, por entre a classe baixa, uma referência de poder aceite por todos era o facto de se ter uma gaja que nos atendia o telefone e que era paga para dizer «tenho muita pena mas o sr. dr. agora está em reunião», mesmo que estivéssemos a tirar macacos do nariz ou até a apalpar as pernas da dita telefonista, sem mais nada para fazer e só para fazer passar o tempo.

Hoje essa referência de poder parece que é andar sempre com um telemóvel na mão e fingir que se está a tratar de assuntos muito importantes.

Não me admira que as putas necessitem de atender as chamadas que recebem, tal qual os vendedores de automóveis e mais uns quantos indivíduos cujos proventos mensais estão na proporção directa da prontidão (ou da falta dela) demonstrada perante a entidade patronal.

Entende-se, sem grande esforço, que uma puta tenha mesmo de atender o eventual cliente, caso contrário não há negócio e o negócio delas é esse mesmo. Outros géneros de putas têm de atender os namorados, amantes, filantropos e etc., porque só atendendo-os é que podem equacionar as necessárias despistagens, género «ando aqui no Continente com a minha mãe às compras, agora não posso».

Um vendedor de automóveis - também só como exemplo - daqueles que passam as tardes no café a emborcar ‘mines’ misturadas com ‘martini rosso', e não fazem a ponta d’um corno, necessitam igualmente de atender as chamadas do chefe de equipa para justificar que estão em Lamego ou Castro Daire com um cliente e que estão quase a fechar o negócio da venda de não sei quantas carrinhas de caixa aberta.

Na semana passada estava eu em minha casa a comer uma amiga de longa data quando toca um dos vários aparelhos que ela possui. Depois de algum tempo percebi que do outro lado uma voz masculina perguntou com um azedume ciumento «mas afinal onde é que tu estás?», ao que a minha amiga respondeu com tranquilidade «então onde é que eu hei-de estar a estas horas, ó meu tolinho? é claro que estou em casa!».

Em casa estava, por certo, mas não na dela certamente e a chuva não bate assim.

Sempre que uma gaja está ao pé de alguém e se afasta subitamente ao toque de um dos seus telemóveis, com a desculpa de que «aqui há pouca rede», podemos apostar que anda ali gato escondido com muita vontade de pôr o rabo ao léu e de lhe dar uso.

Quando as chamadas são inócuas e inócuo é o interlocutor ninguém se afasta de ninguém e o mais natural é até ouvir-se dizer «olha estou aqui em tal lado assim assim e estou com fulanos, cicranos e beltranos» e dizem isso com orgulho porque não estão a fazer nada de censurável. Agora, quando se afastam, quando correm para as casas-de-banho ou quando passam a vida com os aparelhos debaixo das mesas a teclar SMS atrás de SMS, temos a puta pronta no varão para o espectáculo do ‘boca e vira e vira a boca’.

Se uma amiga me está a fazer um ‘bóbó’ e o telemóvel tremelica como se tivesse febre-amarela, o desejável, em circunstâncias normais, era que ela não atendesse logo a correr, até porque é feio falar de boca cheia. Ora, se adoidada salta e pula para atender a chamada deixando a minha chamada a meio, é porque não quer que do outro lado desconfiem da sua inclinação para a gulodice.

E depois… «ai, apanhaste-me a tomar banho!». Que raio! Então mas eu tenho aqui no meio das pernas algum telefone de chuveiro?!

Enfim… pode-se estar mesmo ao lado do gajo que acaba de nos pagar a última prestação da máquina de lavar loiça e, disfarçadamente, sem que ele disso se aperceba, combinar uma ‘queca’ com um amigo por mensagem; o que, vistas bem as coisas, é bom para todos e ninguém se aleija: o gajo é que paga, o gajo é que é corno, mas é feliz assim porque detém o estatuto de ‘dono e senhor’ e porque alimenta a pacificadora ilusão da posse e do controlo da puta via telemóvel. E todos nós sabemos que o ideal é manter os cornos tão felizes quanto possível, porque com um corno feliz somos todos felizes – ele, ela e todos quantos lhe saltam para a espinha, contribuindo assim para um salutar índice de rotatividade (turnover).

Uma gaja pode ser levada a vender-se por dinheiro a vários homens pela manifesta impossibilidade de se dar gratuitamente a um só e não há nada a fazer nem vale a pena gritar «ó da Guarda!». Da Guarda, diz o povo, mau vento e chorado alimento e é por isso que eu não me canso de dizer que as putas também carregam, como todos nós, a sua (delas) cruz. Dias há de intolerável alegria, dias há de intolerável agonia. Só o facto de os telemóveis não terem saldo já é razão mais que suficiente para que o sofrimento se instale, para que elas chorem à noite no frio e solitário travesseiro, perdidas da vida, confusas do mundo. Clamam por um carregamento como quem clama por amor no meio de uma multidão que não sabe o que é amar e jura não saber onde fica o multibanco.

Comparo isto ao paradoxo do confessionário: só a boa gente é que se vai confessar, porque os filhos da puta fogem a sete pés.

Adoro as putas que sabem ser putas sagradas, tal qual na Índia o indígena venera as suas vacas – também elas sagradas. Posso não as compreender, nem às putas nem às vacas, elas podem não me compreender a mim, mas Deus a todos nos compreende e isso já é o princípio de uma relação para toda a vida.

Volto a sublinhar que não me parece que um telemóvel seja sinónimo de ‘status’ social como muitos pretendem. Navegar na vida como um barco à deriva, empurrado pelos ventos que sopram caprichosamente ora do norte ora do sul, não dá uma boa ideia de nada nem de ninguém. E há situações que não lembram ao diabo:

- «é pá onde é que estás?»

- «olha pá, apanhaste-me aqui em casa a cagar» ou «olha, por acaso a tua mulher veio cá a casa e… ‘tás a perceber?»

Há uns anos atrás uma amiga minha foi a Viena a um concerto com um candidato a namorado que por ela andava perdido de amores e tudo fazia para a conquistar. Ora, como ela sabia da minha paixão pela música clássica, deixou o telemóvel ligado para mim durante as quase duas horas que durou o espectáculo, faltando apenas aqui referir que quem pagava as facturas mensais à TMN era ele e que a brincadeira deve ter custado balúrdios.

Que raio é que um gajo quer ouvir quando liga à namorada a horas pouco próprias a uma menina-de-bem e dispara com acidez o irritante «o que estás a fazer»?!

Vamos por partes. Ele quer ouvir aquilo que não quer ouvir - «olha ‘tou aqui de cú p’ró ar no banco de trás do Seat de um amigo…» - ou não é melhor que a gaja lhe diga, piedosamente, «vim ao Palácio do Gelo com umas amigas da escola e vamos todas ao cinema»?! Quer que ela lhe minta «estou na cama desde ontem com uma tosse horrível (cof cof cof) e tenho a garganta toda apanhada» ou prefere a verdade «olha, estou na cama a engolipar uma sarda que deve ter seguramente uns 18 cm, nada que se pareça com os teus 12 cm e isto sou eu a ser simpática…»?!...

Convenhamos que, no fim de contas, o telemóvel não dá, antes retira, categoria e sensação de poder a todos os que o usam como se tratasse de «um modo de vida» ou «uma razão de existir».

Parolos, ‘novos-ricos’ e todo o naipe que engrossa a popular designação de ‘patos bravos’, aqueles que se atrofiam quando vêem muitos talheres em cima da mesa num restaurante mais esperto, têm um cãozinho a abanar a cabeça na parte de trás do Mercedes, e que pretendem mostrar aos outros que estão bem na vida por andarem sempre de telemóvel na orelha, mostram tão-só que são uns míseros e tristes dependentes da próxima chamada que surja; que pode muito bem ser do banco a reclamar por um cheque ‘careca’, de um fornecedor cansado de esperar pelo ‘guito’ ou da mulher a comunicar que a luz acaba de ser cortada lá em casa por falta de pagamento.

A meio de um casório, baptizado ou funeral, quando alguém se põe a sussurrar ao telemóvel, balbuciando desculpas e justificações, é justo presumir que está a levar um ‘puxão de orelhas’, provavelmente do patrão, quem sabe se do presidente da Junta ou da Câmara, e o mais certo é seguir-se uma correria e aí vai ele, aos trotes e pinotes, obediente à ‘voz do dono’ e de quem com poder para tanto assim o subalterniza e escraviza.

Exibir uma relação de loucura com o telemóvel é, aprioristicamente, uma situação do foro psiquiátrico e evidencia, portanto, o contrário daquilo em que supostamente querem que um gajo acredite. Pôr-se em sentido e a fazer continência sempre que o maldito aparelho reclama, mesmo quando se está lá em casa a perscrutar os entrefolhos da ‘boquinha do corpo’ da cara-metade (que agora, depois dos três putos ranhosos paridos, já é mais uma bocona…) e com a correia do mijo em sobressalto, isto é, com os nervos à flor da gaita, convenhamos, em nada abona a favor do tal estatuto de gajo com categoria e com poder.

Sejamos lúcidos: quem tem poder não atende o telemóvel quando os outros querem: atende quando lhe dá na gana e atende por puro prazer. Do outro lado está alguém que estima e não um filho-da-puta qualquer a pedir-lhe satisfações e a mandá-lo trabalhar.

Gajos ricos e com categoria sempre tiveram e vão continuar a ter montes de secretárias eficientes, pagas para repetir incansavelmente «o sr. dr. está em reunião» e, mesmo no dia em que a mãe, o pai ou a mulher lhes morrer, o mais certo é eles receberem a notícia por um diligente ‘sapatilha’ que discreta e respeitosamente se curva e lhe sussurra a desdita.

Categoria? que categoria se pode atribuir a uma gaja que anda, por exemplo, com um telemóvel da empresa depois das normais horas de trabalho, fins-de-semana incluídos? só consigo descortinar a categoria de quem não tem vida própria, não tem família, e aguarda com servilismo, com obediência canina, que o patrão se desenvencilhe lá em casa e a chame para lhe dar umas caibradas a caminho de Espinho ou Aveiro.

Há putas, para profundo desgosto meu, que são assim tipo putas profanas. Ninguém as pode salvar. Podemos amá-las mas não podemos salvá-las. É como que o suplício de Tântalo que é uma coisa onde só há água e nem uma pontinha de whisky e mesmo assim o gajo morre de sede - todos os dias morre porque está condenado a viver.

São gajas que a determinada altura da vida querem sentir-se presas e eu não sou carcereiro. Querem ser conquistadas e eu não sei andar a cavalo nem tenho feitio para batalhas. O tempo corre, inexorável, e eu sou um gajo cansado e que vai morrer contra a vontade. Sempre que enfio na cama umas gajas mais novas do que eu sinto-me como se estivesse a abraçar a minha própria condição de gajo mortal e, portanto, sem esperanças para o «daqui a um bocadinho». Como costumo dizer, o amor só cresce à medida que o conseguimos consumir e eu sou pelos direitos do consumidor.

O que resta da alma quando os beijos têm de parar? Resta, talvez, dizer adeus à miúda traquina que se esconde por debaixo da máscara da puta de todos os dias.

Tornando ao assunto: telemóveis a 24 horas são para a Polícia, para os Bombeiros e para o pessoal do INEM e, sendo como é uma dura realidade, pouco ou nada agradável, parece que nem mesmo estes atendem com a rapidez desejável.

Eu dou o meu número de telemóvel a toda a gente, sobretudo quando estou bêbado, mas vou logo avisando que só atendo quando me apetece e, egoisticamente, quando presumo que o assunto seja do meu exclusivo interesse; o que quer dizer, logo à partida, que beneficio grandemente as gajas com uma natural aptidão para os trabalhos manuais de joelhos e actividades afins no âmbito do que se convencionou designar por CCB e também para a problemática do ‘beijo negro’, ´chuva dourada´ e outras actividades ditas ‘desviantes’, próprias de indivíduos desrealizados como eu, muito por culpa da conjuntura económico-social provocada pelo governo de Sócrates ao permitir a subida do défice.

No mais, e como única excepção à regra, atendo religiosamente o meu ‘guru’ espiritual, indivíduo que é também uma espécie de tutor da minha (má) fortuna, crítico mordaz dos meus (maus) costumes, e bem capaz de me fazer uma alta cena quando ler o que aqui acabei de escrever. Mas isso é ‘estória’ para contar noutro qualquer dia, ‘plus tard’ ou seguramente nunca.


herculano da costa

(11 Fevereiro 2010)

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