O que bebia e o que não bebia
Por
Mário Prata
Eram dois amigos. Grandes amigos de infância. No interior. Já no ginásio, apesar de continuarem amigos, cada um tinha uma predileção na vida. Um gostava de estudar e trabalhar. E só pensava numa coisa: carros! O outro não gostava nem de estudar, nem de trabalhar. O outro gostava de cerveja. Muita cerveja.
No curso científico, o que gostava de estudar estudava e já trabalhava. Em pouco tempo, comprou um Gordini preto, sensação da época para bolsos ainda não muito polpudos. Passava pelo bar onde o outro estava a beber para exibir a novidade. Acenava, orgulhoso. O outro, que não gostava nem de estudar nem de trabalhar, bebia cerveja. Retribuía o cumprimento, sorrindo, feliz. O amigo estava fazendo o que gostava.
Logo entrou na faculdade, o rapaz do Gordini. Estudava de noite, trabalhava duro o dia inteiro. Foi quando comprou um Fuscão quase zero, vermelho.
Passava pelo bar e acenava. O outro não estudava, não trabalhava. Bebia cerveja. E sorria feliz batucando um sambinha na mesa de lata.
Antes mesmo de se formar - e sempre dando duro -, já havia passado por uma Vemaguete verde, daquelas que abriam a porta ao contrário, um Aero Willys bordô de bundinha arrebitada e, por fim, a grande novidade do fim dos 60, um Fissore da DKW. O outro, nem patinete tinha. Como bebia cervejas, o rapaz!
Formou-se, o outro rapaz, o do Fissore, com as notas as melhores. Montou uma banca de advocacia e logo estava dirigindo um possante Simca Chambord Presidente, todo amarelo com uma tarja branca nas laterais traseiras. O outro? Bebia, é claro.
Nos anos 60 comprou um prateado carro conversível, um Puma e ainda um MP Lafer conversível, fora a Rural para ir à chácara. Cada dia saía com um, para passar em frente do bar. Mostrar ao amigo o progresso. E o amigo lá, já barrigudinho, entornando suas cervejas. Mas nunca deixaram de se acenar, amigos que eram de infância. Um respeitava o outro.
O tempo passou, o que trabalhava já tinha um Monza hidramático com vidros que subiam e desciam num simples dedilhar de botão. Trabalhava muito, é verdade. Mal tinha tempo para a esposa e os filhos. Na fazenda, tinha uma camionete de duas cabines, a última moda. E o amigo dele nem bicicleta para se levantar do bar e voltar para casa.
E trabalhando cada vez mais, conseguiu chegar ao ponto máximo da sua carreira de dono de carro. Foi quando comprou uma Mercedes-Benz que só faltava falar. Tinha botão pra tudo. Tudo "eletronisado". Era o carro dos seus sonhos.
E foi logo no dia seguinte que tal maravilha chegou, que ele resolveu dar uma volta pela cidade. Passou pelo bar, mas o amigo - incrível! - ainda não havia chegado. Saiu pela cidade atrás dele. No primeiro sinal, o amigo, aquele que bebia, pára, dirigindo um reluzente Rolls Royce ao seu lado. E o que tinha trabalhado a vida toda não acreditou naquilo:
- De quem é esse carro? - perguntou o esforçado trabalhador.
- Comprei, cara!
- Comprou como? - indagou incrédulo.
O amigo apenas sorriu e acenou feliz.
- Mas como? - disse com uma certa inveja e um declarado ciúme. Como é que você comprou esse carro, se nunca estudou, se nunca trabalhou, se passou a vida toda bebendo cerveja no bar?
E o amigo, engatando uma azeitadíssima primeira, sorriu e disse:
- Vendi os cascos!
E foi em frente. Em silêncio, como só os Rolls Royces conseguem fazer...
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